Prosódia em louvor à capital mundial do café Dizem que há palavras que carregam cheiro, som, terra e tempo. Palavra que, só de ser dita, parece que brota da boca com raiz e folha. Café é uma dessas. E aqui em Patrocínio — nossa capital mundial do café — a palavra ganhou ainda mais cor, sabor e música com o 2º Festival de Colheita do Café do Cerrado. Foi ali, entre tendas, risos, apresentações e o tilintar das xícaras, que a prosódia resolveu dançar comigo. Sim, a prosódia — essa senhora invisível que rege o ritmo da nossa fala e do nosso sentimento. Ela se sentou ao meu lado, num banco de praça, com vestido de renda e cheiro de coado fresco, e disse: — Uai, moço… cê já reparou no tanto que a palavra cafÉ é bonita de dizer? E eu, apaixonado pela língua portuguesa e mais ainda pelo mineirês, resolvi escrever. Porque “café”, veja bem, não é só substantivo. É verbo oculto, adjetivo sonoro, interjeição de espanto, de amor e de começo. Em Patrocínio, “café” é saudação, oração e profissão. No festival, cada stand contava uma história, e cada história pronunciava a palavra de um jeito diferente. — É café do bom, sô! — Esse é do tipo arábica premiado, uai! — Coisa fina, moço… passa lá em casa que te dou um punhado pra provar! E cada entonação tinha um quê de identidade, de pertencimento. A prosódia, afinal, não é só ritmo, é alma. É como bem dizia João Guimarães Rosa: “As pessoas não morrem, ficam encantadas.” E eu digo: as palavras também não morrem; elas ficam impregnadas na gente feito cheiro de café recém-passado. Durante o festival, senti que a cidade toda falava com acento agudo — não só no “cafÉ”, mas no orgulho de ser. Vi criança correndo entre decorações cenográficas de café e idosos revivendo colheitas de décadas atrás com os olhos marejados. Vi turistas tentando imitar nosso jeito de falar, tropeçando no “uai”, mas sorrindo com vontade de ficar. Patrocínio se ergueu em tom maior. Se antes já era capital do café no título, agora reafirma-se no tom de voz, na sílaba forte, no ritmo das ruas. A gente aqui não exporta só grão, não. Exporta história, sotaque e afeto. E é nesse ponto que entra a beleza da prosódia mineira. Porque mineiro não fala: entoa. Mineiro é capaz de transformar um simples “pois é” num poema de três atos. E café, na boca do mineiro, vira canto. — Ô trem bão! Foi nesse espírito que vi o festival acontecer. Um evento em que o passado e o presente se abraçam, onde o som da sanfona se mistura ao barulho da máquina de expresso, e onde cada palavra dita parece querer ficar mais tempo no ar. Como escreveu Rubem Alves, outro mineiro que entendia da beleza das coisas pequenas: “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.” Pois bem: Patrocínio, nesses dias, foi asa. Deu voo à nossa história, ao nosso sotaque, ao nosso orgulho. E eu, que amo a língua portuguesa como quem ama uma árvore de quintal — dessas que dão sombra, flor e fruta — me vi querendo transformar nossa fala num poema que respire cerrado e café. Porque aqui, fé e cafÉ rimam. E rimam porque acreditamos. Porque cuidamos. Porque colhemos. Se ser capital mundial do café é reconhecimento, ser capital da palavra cafÉ é responsabilidade. É poesia que se bebe. É legado que se diz com carinho. E se alguém lá fora perguntar: — Mas é verdade que Patrocínio é a capital mundial do café? A resposta vem com pausa e orgulho: — É. Com acento. Com história. Com gosto. Porque o mundo pode até tentar soletrar, mas só quem vive aqui sabe a prosódia do que é amanhecer com o cheiro de café invadindo a cozinha, o quintal e a alma. E como dizia Clarice Lispector, outra que entendia de fala e silêncio: “A palavra é o meu domínio sobre o mundo.” Pois então, mundo, escute bem: aqui é Patrocínio, onde a palavra cafÉ não é só dita. Ela é vivida. Com ou sem açúcar, com rapadura, com história, com ternura. Com tal.
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