No trajeto de volta para casa, enquanto o outono despejava suas folhas sobre a calçada, detive meus passos diante da árvore que, silenciosa e altiva, cumpria seu destino: deixar ir. Havia algo de profundamente humano naquela cena; a queda das folhas não era apenas um espetáculo da natureza, mas um convite discreto à reflexão sobre o tempo que nos resta, e o que temos feito dele.
A luz amarela da tarde se desfazia em frestas entre os galhos despidos, e o vento, leve e frio, soprava lembranças e pensamentos. Recordei uma frase de Sêneca que certa vez li e que, agora, parecia ecoar nas folhas arrastadas pela rua: “Não é que temos pouco tempo, mas que perdemos muito.”
Quantos dias encerram-se sem que tenhamos verdadeiramente vivido? Não falo aqui das grandes aventuras, das façanhas memoráveis que, raramente, de fato acontecem, mas das pequenas presenças: um olhar sincero, um abraço não adiado, uma contemplação sem pressa do céu.
Somos, cada vez mais, reféns de uma urgência fabricada. Trabalhamos, corremos, acumulamos e, quando a noite cai, resta-nos apenas um cansaço que nem sabemos mais nomear. O tempo — esse bem que não se renova — escorre entre os dedos enquanto insistimos em adiar a vida para depois: depois da promoção, depois da dívida quitada, depois das férias que nunca chegam.
As folhas que vi cair não pareciam lamentar sua queda. Deixavam-se levar pelo vento com uma dignidade que raramente nós, humanos, alcançamos diante do inevitável. E pensei, com certa melancolia, que talvez viver bem seja isso: saber desprender-se, aceitar a transitoriedade sem o desespero de quem quer conter o rio com as mãos.
Nietzsche advertiu: “O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem — uma corda sobre um abismo.” E que é a vida senão essa travessia incerta, essa caminhada sobre o abismo do tempo que nos resta, sem garantias, sem mapa, apenas com a certeza de que o chão não é infinito?
Enquanto caminhava, o rumor das folhas secas sob meus pés trazia uma beleza triste. Não havia tragédia nelas, mas um testemunho sereno da efemeridade. E me perguntei, sem a pressa das respostas fáceis: como tenho gasto meu tempo? Tenho amado com inteireza ou me distraído com o que é fútil e passageiro? Tenho permitido que as urgências me roubem a vida ou tenho, ao menos, tentado ser fiel ao que é essencial?
Lembrei-me, então, de um verso de Fernando Pessoa: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.” Talvez, mais do que contabilizar os dias, devêssemos medir a vida pela intensidade com que nos entregamos a ela: a um amor, a um projeto, a uma caminhada solitária ao fim do expediente.
A árvore à beira da calçada não se inquietava com o outono. Sabia que suas folhas caídas não eram fim, mas passagem; sabia, ainda que silenciosamente, que depois do frio viria a seiva, o broto, a primavera. E talvez o segredo esteja nisso: não resistir à queda, não lamentar o que se vai, mas compreender que tudo passa — o que nos fere e o que nos alegra — e que essa impermanência é o que confere à vida sua beleza mais pura.
Somos, no fundo, como as folhas que se desprendem: parte de um ciclo maior, de uma coreografia que não controlamos, mas da qual participamos com o breve tempo que nos é dado.
No fim do trajeto, já próximo de casa, senti o peso do dia dissolver-se. Não me importava mais tanto com os problemas deixados no tralho, nem com as preocupações que, provavelmente, ainda me esperavam na manhã seguinte. Havia aprendido, naquele fim de tarde, a lição silenciosa das folhas: tudo passará.
Não, não se trata de negligenciar responsabilidades ou viver alheio às dores do mundo. Trata-se, antes, de escolher com mais sabedoria aquilo com que nos ocupamos, de não desperdiçar com futilidades o tempo precioso e finito que nos resta.
Enquanto abria o portão de casa, pensei que talvez o maior desafio de nossos dias não seja realizar grandes feitos, mas simplesmente estar presente: olhar, ouvir, sentir, ser. O tempo continuará a correr, indiferente aos nossos planos e desejos. Mas nós podemos, ao menos, decidir como queremos atravessá-lo.
E então, com um sorriso leve, repeti a mim mesmo: que eu saiba, como a folha, desprender-me do que pesa, aceitar o que não posso mudar e entregar-me, com coragem e delicadeza, ao tempo que me resta.