Há um silêncio que constrói e outro que corrói. Um é o da dedicação, aquele que não precisa anunciar cada passo, mas se deixa ver nos resultados. O outro é o silêncio que antecede o ataque, que se mascara de prudência enquanto afia palavras. Aqui, em Patrocínio, os dois coexistem.
Passado o primeiro semestre da nova administração, a cena política já mostra seus contornos mais antigos: o desejo por espaço, a ansiedade pelo próximo pleito, a pressa em desacreditar o que se está tentando erguer. Não é novidade. “Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias bons”, escreveu Goethe, e talvez esteja aí a raiz de certos incômodos: quando o que funciona ameaça a narrativa de que tudo está perdido, alguns preferem destruir a prova.
O jogo é sutil. Não se trata de discordância legítima — esta é saudável, necessária e deveria ser constante. O que se vê é a velha arte de fabricar relevância a partir do ruído. Notícias que chegam antes de serem averiguadas, comentários que ganham asas antes de ganhar fundamento. “A mentira dá a volta ao mundo enquanto a verdade ainda calça os sapatos”, disse Jonathan Swift, e, por aqui, essa corrida é diária.
No entanto, quem caminha pela cidade com olhos atentos percebe outra coisa. Como agente cultural, tenho o privilégio de estar onde a transformação é concreta: nos olhares que descobrem a arte, nas expressões que se abrem ao som, no movimento sutil de quem encontra na cultura um espaço de pertencimento. Isso não é propaganda; é experiência. Não é um dado de gabinete; é a verdade na rua.
E aqui está a dicotomia: de um lado, quem se dedica a construir algo que ultrapasse a própria biografia; de outro, quem mede cada ato pelo cálculo de ganho pessoal. Um lado se preocupa em semear, o outro em arrancar mudas. Um lado fala pouco e age; o outro age pouco e fala.
Não é preciso nomear. A cidade é pequena o bastante para que todos saibam quem é quem, e grande o suficiente para que as consequências dessa postura se espalhem. As críticas que circulam raramente descem ao chão onde o povo pisa. Elas ficam pairando, como poeira iluminada por um facho de luz — visível por um instante, mas incapaz de mudar o ar que se respira.
Há também uma questão de tempo. O tempo do trabalho é longo, paciente, feito de gestos que acumulam força até se tornarem visíveis. O tempo da intriga é breve, impaciente, urgente como quem teme ser esquecido. É por isso que a construção exige silêncio, e a destruição exige barulho.
Se há algo que aprendi observando a vida cultural da cidade é que a verdadeira mudança não nasce de discursos inflamados, mas da persistência quase teimosa. É uma dança entre a visão e o ofício. “A política é a arte do possível”, disse Bismarck, mas ouso discordar parcialmente: a boa política é a arte do possível sustentada pelo impossível que se deseja. Sem esse sonho, vira mera administração; sem esse realismo, vira utopia vazia.
Vivemos um momento raro, em que o possível e o desejado parecem andar juntos. Não é perfeito, nunca será. Mas é muito mais do que se teve antes, e isso deveria ser suficiente para pelo menos inspirar respeito, ainda que não haja concordância. O problema é que respeito não rende palco para quem precisa estar no centro.
Não ignoro que erros existam. Seria ingênuo pensar o contrário. Toda gestão erra, todo projeto falha em algum ponto. Mas há diferença entre apontar falhas para que sejam corrigidas e torcer para que se ampliem. O primeiro é gesto de responsabilidade; o segundo, de sabotagem. E quando se prefere a sabotagem, deixa-se claro que o interesse não é o povo — é o próprio futuro eleitoral.
Eu escolho, Ficar ao lado do que está trazendo resultados concretos, sem ingenuidade — e reconhecer o que está acontecendo. Vejo o que está acontecendo e reconheço valor. Reconheço esforço. E mais: reconheço que, se hoje temos algo melhor, é porque alguém decidiu remar contra a maré da inércia. Como disse Guimarães Rosa, “o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando”. A cidade também.
Talvez a fase seguinte seja mais difícil. Talvez a música desafine, a obra emperre, a vontade esfrie. É da natureza humana e política que ciclos se desgastem. Mas agora, neste instante, o que temos é muito mais do que tivemos. E isso, para mim, é suficiente para defender o que está sendo feito.