Era uma tarde de céu aberto à beira da represa em Patrocínio, e o sol parecia derreter o tempo, que escorria lento entre as folhas das mangueiras. As xícaras de café estavam postas à mesa, e nós, como de costume, conversávamos sobre o que nos inquietava. Aquela tarde, a inquietude era a cultura, essa arte misteriosa que floresce como o cafeeiro, mas que, ultimamente, parecia não dar frutos. "Esse fenômeno que é a cultura em Patrocínio" — assim batizamos nossa discussão.
O vento, que dançava leve entre os galhos das árvores, parecia provocar o cenário à nossa volta. Falei de como Patrocínio é feita dessas pequenas e distintas belezas: as rodas de viola, as festas de junho com seu cheiro de canjica e devoção, a poesia improvisada em grupos anônimos, enquanto o café nos unia em um vínculo indissociável. E ainda assim, não conseguimos fazer florescer plenamente a cultura que aqui está, dentro de cada um de nós.
"Não há o que consumir", disseram alguns, enquanto outros afirmavam que "o público é quem não consome o que oferecemos". E ali, entre o amargor do café e a doçura das lembranças, percebi que talvez estejamos todos presos em nossas próprias cercas. Cercas invisíveis, como aquelas que delimitam os pastos, mas que agora delimitam nossos sonhos, nos impedindo de atravessar e encontrar um ao outro.
"A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo", citei Brecht, e o grupo ficou em silêncio por um momento. Talvez nossa arte tenha faltado o martelo. Talvez não saibamos como quebrar essas cercas, como usar a cultura para reformar o campo à nossa volta e fazer brotar algo novo. A arte local tem sido um espelho, refletindo o que somos, mas talvez o que precisamos agora é mais do que reflexão: é provocação, é ação.
A conversa foi se alongando, e logo estávamos a questionar a quem a cultura serve. Se é uma expressão do povo, por que não encontra esse mesmo povo? Talvez porque, em meio à rotina do café e dos dias apressados, não tenhamos tempo para enxergar o que floresce ao nosso lado. "Toda arte é um ato de coragem", lembrei, citando Clarice Lispector. E aqui, talvez o que falte seja coragem: coragem de criar, coragem de olhar e se aproximar do outro, coragem de dar ao nosso cotidiano o valor que ele merece. Precisamos não só criar, mas criar com propósito, com o desejo de tocar quem está próximo, de abrir espaço para que cada voz seja ouvida.
Alguns dos amigos falaram sobre a desvalorização daquilo que é local, como se o que brota da terra de Patrocínio fosse menos digno do que aquilo que chega de fora. Parece que nossas cercas, afinal, não só separam o público do artista, mas também nos ensinam que o que está do lado de lá é sempre melhor. Pergunto-me quando vamos perceber que o que criamos aqui é capaz de encantar, sim, se nos permitirmos. "O que nos falta não é talento, mas confiança", disse um dos amigos, e a frase ressoou profundamente em todos nós.
No fim da tarde, enquanto o sol começava a se esconder e as sombras cresciam, senti que algo havia mudado. Talvez fosse só o peso da reflexão compartilhada, ou talvez aquela discussão, por mais pequena que fosse, tivesse sido uma fagulha. Uma fagulha que poderia incendiar as palavras, os violões, os pinceis e a coragem dos artistas locais. Quem sabe não precisamos, todos nós, ser mais como os agricultores que cuidam da terra: arar o solo da cultura com amor e esperança, crer que algo sempre pode florescer. Não podemos mais esperar que o público nos encontre; precisamos ir até ele, sem medo, com a certeza de que o que temos para oferecer é valioso.
O desenvolvimento cultural é essencial para o fortalecimento de nossa própria identidade enquanto indivíduos e como povo. A cultura não é apenas expressão; é uma ponte que nos liga à nossa história, às nossas tradições e à nossa essência enquanto comunidade. Fortalecer a cultura local é fortalecer a consciência de quem somos, é compreender nossas raízes e nos orgulharmos delas. Quando valorizamos a cultura, reconhecemos o que nos torna únicos e celebramos nossa existência coletiva.
Dei um último gole no café, agora frio, e concluí: Patrocínio é um mosaico de beleza, tradições e esperanças, e a arte deve ser o laço que nos una, que nos lembre de quem somos e do que podemos ser. A cultura, esse fenômeno que nos inquieta, é também o que nos mantém vivos. Mas, como disse um amigo, talvez precisemos "abrir as janelas e arejar as ideias". Quem sabe assim a arte não encontre seu lugar, feito café maduro no tempo certo, pronto para ser colhido e apreciado por todos.
E
então, quem de nós se atreve a dar o primeiro passo? Quem se dispõe a
atravessar a cerca e a plantar o solo fértil da cultura, não esperando
aplausos, mas acreditando no poder de transformar? A cultura de Patrocínio só
encontrará seu lugar quando cada um de nós, artistas e público, se reconhecer
como parte desse todo. Que cada pincelada, cada acorde e cada verso sejam não
apenas uma expressão pessoal, mas um chamado para que todos, juntos, façamos
brotar aquilo que é nosso, aquilo que é belo. Afinal, o que estamos esperando?