A chuva tamborilava nas vidraças, como se o céu chorasse em uníssono com as emoções que transbordavam dentro de mim. Havia uma melodia melancólica e, ao mesmo tempo, doce naquela tarde cinzenta, como se cada gota que caía trouxesse consigo um eco, uma memória. Dizem que a chuva é um prenúncio de benção, de renovação. E talvez fosse isso que o mundo se preparava para testemunhar. Porque, ali, naquela sala de paredes pálidas, entre sons metálicos e vozes abafadas, uma nova parte de mim estava prestes a ser revelada. Emanuel chegava ao mundo, trazendo consigo uma promessa de vida que parecia se entrelaçar com o cheiro da terra molhada que vinha de fora.
A vida, tão frágil, tão intensa, emergia em meio ao caos e à ordem. E eu estava lá, entre o tempo suspenso e a eternidade de um instante, sentindo-me ao mesmo tempo expectador e protagonista de um ato solene. Emanuel chegou em uma tarde chuvosa do dia vinte de novembro, e seu choro era como uma prece ao mundo. Dizem que a paternidade é um amor imediato, arrebatador, que preenche cada canto do ser sem aviso. Mas enquanto os outros celebravam o milagre da vida, meu olhar permaneceu fixo na mesa, na mulher que amo, vulnerável, exposta, entre a dor e a criação. Ali, meu coração se dividia — entre o encantamento pelo filho que acabara de nascer e o cuidado absoluto pela mulher que se entregava àquele milagre.
O universo parecia suspenso, em um instante interminável, e senti que não me encontrava na plenitude esperada, aquela alegria desenfreada que todos imaginam quando se torna pai. Clarice Lispector disse uma vez que "todo amor é uma forma de espera". E eu esperei. Esperei que meu coração fosse arrebatado, que aquele amor pelo meu filho emergisse como uma explosão. Mas o que senti foi diferente — um amor que se voltava primeiro para o cuidado, que zelava por aquela que, através de sua força, trouxe-me um novo universo.
Os primeiros dias passaram como um sonho enevoado, em que a rotina se misturava ao cansaço e às pequenas descobertas. Aprendi que o amor paternal não é um facho de luz repentino, mas uma brisa constante, como a chuva que alimenta as sementes silenciosas de um jardim. "Amar é um ato de fé diária", escreveu Erich Fromm. E, então, percebi: não havia nada de errado em mim. Meu amor por Emanuel não veio como um raio, mas como a construção de um abrigo, um telhado sob o qual ele pudesse crescer. Era um processo, um encantamento que florescia em silêncio, em olhares trocados, em madrugadas quebradas.
Enquanto aprendia a segurar meu filho nos braços, percebia que aquele amor não era menor por ser gradual. Era, talvez, mais profundo por nascer de forma cotidiana, por ser tecido em cada gesto, cada troca de fraldas, cada vigília ao lado de seu sono tranquilo. Meu amor por ele estava entrelaçado ao cuidado pela mulher que, com coragem e vulnerabilidade, atravessou a ponte entre a vida e o desconhecido, trazendo-o a este lado. No meio de tantos abraços e felicitações, percebi que ela, a mãe, também era o milagre. E o meu dever era não deixar que esse milagre fosse ofuscado pelo brilho do novo.
"É preciso amar para que o outro sinta a própria grandeza," disse Rubem Alves. Amar Emanuel, então, é também amar a mulher que lhe deu a vida, é reconhecer sua grandeza e envolvê-la no calor da minha presença. Ser pai não é apenas embalar um filho, mas é também sustentar a mãe em seus momentos de fraqueza, é ser farol quando as luzes se apagam, é ser porto seguro quando as ondas do cansaço são grandes demais.
Entendi que ser pai é uma entrega que vai além da chegada, que se expande por todos os instantes compartilhados. O amor não é apenas o momento do nascimento, mas o processo — o lento desabrochar da intimidade, o reconhecimento dos traços que vão se tornando familiares, o olhar tímido que, com o passar dos dias, busca em mim a segurança de que o mundo é um lugar a ser explorado, e não temido.
Hoje, quando segurei Emanuel enquanto a chuva também caía lá fora, senti um amor que não tinha pressa. Um amor que era suave, que era construído dia a dia, em cada pequeno gesto. Ao mesmo tempo, percebi que minha missão era cuidar dela, a mulher que me deu meu filho, a mulher que enfrentou a vulnerabilidade mais profunda, que se entregou àquele momento em nome do amor.
Cuidar é também um ato de amor. E amar é uma construção, uma espera sem pressa, uma dedicação constante — não apenas um milagre instantâneo, mas um jardim cultivado, onde cada flor tem o seu tempo de desabrochar.
“Amor
in corde radices agit et cotidie florescit.”