O céu azul que dominava a paisagem, salpicado por nuvens alvas que pareciam algodões sonhadores, era palco de um espetáculo lírico e silencioso. Os pássaros, em sua coreografia intuitiva, pousavam sobre os fios da rede elétrica, compondo com seus corpos um pentagrama celestial. Cada ave, ali disposta, parecia ser uma nota musical, aguardando o momento exato para formar a melodia que anunciaria a chuva e, com ela, a renovação do ciclo da vida.
Era o prelúdio de um dia que prometia ser memorável, um desses dias que inspiram poetas e compositores a traduzirem o invisível em palavras e sons. Como disse Machado de Assis, “as coisas que não têm nome são as mais importantes”. E assim era aquele instante: uma fusão do tangível e do etéreo, do concreto e do sonhado.
As linhas dos fios cruzavam o espaço como se fossem a própria pauta do tempo, onde o presente se equilibrava entre o que foi e o que está por vir. Os pássaros, em sua quietude, pareciam pressentir a chegada da chuva. Suas silhuetas negras contrastavam com o azul do céu, criando uma harmonia que não exigia sons, mas que preenchia o espírito de quem contemplava. Eram maestros e instrumentos de uma sinfonia muda, orquestrando a espera.
A primeira brisa trouxe consigo o aroma da terra, antecipando o que estava por acontecer. Era como se a natureza se preparasse para um ritual de purificação, uma espécie de batismo cósmico para saudar o ano que se iniciava. E, nesse instante, lembrei-me de Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Era como se os pássaros, as nuvens, os ventos e o céu também refletissem essa fragilidade que habita em nós, essa incerteza que nos faz humanos.
Os olhos atentos de quem observa, porém, enxergam além do físico. As notas-pássaros poderiam ser uma canção de esperança, anunciando que, mesmo em meio às tempestades, há beleza e propósito. Era como se cada um deles simbolizasse uma promessa, uma oração, uma partitura de desejos depositados no futuro que se abria.
Então, veio o primeiro som: o grito abafado de um trovão ao longe. Não era um som assustador, mas um chamado, uma convocação ao reencontro com as forças da natureza. Os pássaros, contudo, não se moveram. Permaneceram nos fios, compondo a sua melodia invisível. Talvez soubessem que a chuva era um presente, não uma ameaça, e que a água que cairia do céu seria a vida se renovando.
Em breve, as primeiras gotas começaram a descer, tímidas, como quem pede licença antes de transformar o cenário. Cada gota que tocava o chão trazia consigo o frescor da mudança, enquanto as folhas, antes empoeiradas, brilhavam como jóias sob a luz difusa do dia. Era como se a natureza, em seu altruísmo, oferecesse ao mundo um novo começo.
E então me veio à mente a frase de Rubem Alves: “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.” Assim é a vida. Podemos nos prender à pressa, ao turbilhão do dia a dia, ou abrir asas para enxergar as belezas que nossa cidade ainda nos dá. Esse pedaço de mundo, com seus céus abertos e pássaros dançando nos fios, nos convida a parar, observar e ouvir a música que o cotidiano silenciosamente compõe.
Nietzsche certa vez escreveu: “Sem música, a vida seria um erro.” Olhando para os pássaros que começavam a alçar voo, imaginei que a música da vida talvez estivesse justamente nesses momentos simples, nesses detalhes que passam despercebidos aos olhos apressados. A chuva aumentava de intensidade, e os pássaros, agora em movimento, riscavam o céu como notas em um improviso de jazz, livres e criativos, compondo uma melodia que só o coração podia ouvir.
Enquanto a chuva lavava a paisagem, um sentimento de gratidão tomava conta de mim. Gratidão pelo presente de presenciar aquele instante, pela força que a vida tem de se renovar, mesmo diante das incertezas e dos desafios. Como disse Mario Quintana: “A vida é como a música. Deve ser composta de ouvido, com sensibilidade e intuição, nunca por normas rígidas.” Nossa cidade, com sua simplicidade e beleza, é um convite constante a essa composição. Basta aceitar.
E assim, naquele dia que já não era mais o mesmo de quando amanheceu, percebi que a melodia dos pássaros sobre os fios não era apenas uma saudação à chuva ou ao novo ano. Era um lembrete de que a beleza está no que é transitório, no que se transforma, no que voa.
O céu, antes azul, agora era cinza e, ao mesmo tempo, brilhava com a luz refletida nas gotas d’água. Os pássaros, antes estáticos, agora dançavam no ar, compondo uma nova sinfonia. E eu, um mero espectador, sentia-me parte dessa partitura universal, onde cada ser, em sua singularidade, tem um papel essencial.
Ao final da tarde, quando a chuva cessou e o sol, tímido, espiava por entre as nuvens, pensei: talvez a vida seja isso. Um conjunto de notas aparentemente aleatórias, mas que, ao serem tocadas, compõem uma sinfonia única, irrepetível e bela. E como num eco, ouvi novamente as palavras de Clarice: “A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre.”
Naquele instante, senti que o novo ano havia começado de fato. Não com fogos de artifício ou promessas grandiosas, mas com a simplicidade de uma chuva, a sabedoria dos pássaros e o privilégio de viver em um lugar onde a beleza ainda nos alcança. Uma ode à vida, ao recomeço, e à eterna dança entre céu e terra.
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