Na discreta rotina de Patrocínio — onde o sol se despeja sobre os telhados, e a vida parece seguir um compasso previsível —, há uma legião, anônima e admirável. São pessoas comuns: mães apressadas, pais dedicados, empresários diligentes, funcionários atentos. Todos eles, à primeira vista, figuras de um cotidiano indistinguível. Mas há um traço que os une, uma senha compartilhada que não se pronuncia, apenas se reconhece: todos carregam, metaforicamente ou não, uma toalha.
No próximo dia 25 de maio, celebraremos o Dia da Toalha, a data máxima do espírito geek, uma reverência universal a Douglas Adams, autor do cultuado O Guia do Mochileiro das Galáxias. Não é apenas uma comemoração, tampouco um pretexto para exibir referências; é um manifesto de pertencimento. “Uma toalha é a coisa mais útil que um mochileiro interestelar pode ter”, escreveu Adams, e desde então, a toalha deixou de ser apenas tecido: tornou-se símbolo.
Aqui, em Patrocínio, essa metáfora ressoa, mesmo entre quem talvez nunca tenha lido a obra. É que o espírito do viajante, do curioso, do apaixonado pelo que está além — da galáxia, da montanha ou da ideia — habita tantos de nós.
Eu mesmo confesso: sou desses. Carrego minha toalha invisível no ofício, nas aulas, nos livros, na música que ensino como quem entrega uma nave ao aprendiz para que ele viaje por outras órbitas. Carrego a toalha quando ajo como quem sabe: que a realidade é apenas uma versão pálida do que poderia ser, e que o coração humano é um motor alimentado por ficções.
Vejo-os, também, entre meus conterrâneos. O jovem que se refugia folheando quadrinhos de super-heróis; a moça que, no intervalo do almoço, assiste episódios antigos de Doctor Who; o homem que, entre um café e outro, revisita Star Wars, como quem relê um salmo. Todos eles compartilham essa espécie de fé cósmica que só a ficção científica sabe provocar: a ideia de que somos pequenos, mas não insignificantes, frágeis, mas audazes.
“Que a Força esteja com você”, desejamos uns aos outros, não como clichê, mas como benção laica, como quem reconhece no outro a mesma inclinação para o assombro.
E, neste dia que se aproxima, homenageio esses homens e mulheres comuns que, sob o uniforme da rotina, ocultam sua verdadeira identidade: são viajantes de outros mundos, arquitetos de utopias, sonhadores de futuros improváveis. Levam filhos à escola, pagam boletos, enfrentam filas, mas sabem que, no íntimo, são navegantes de universos paralelos.
Há algo de heroico nisso, e também de profundamente humano.
Patrocínio — essa cidade cercada pela serras, onde o tempo parece por vezes aquietar-se — abriga esses aventureiros discretos, que, mesmo longe de grandes metrópoles ou convenções de cosplay, cultivam com devoção sua paixão pela cultura geek.
Eis o poder deste dia: revelar que ser geek não é, como muitos ainda pensam, um adorno, uma moda ou uma excentricidade. É um modo de estar no mundo, uma forma de encarar a vida com curiosidade, humor e esperança. Afinal, como ensinou Adams:
“O espaço é grande. Realmente grande. Você simplesmente não vai acreditar o quão vasto, enorme, impressionantemente grande ele é.”
Essa consciência — a de que somos, cada um, apenas um fragmento de poeira estelar — é o que nos faz, paradoxalmente, valorizar ainda mais as pequenas coisas: o aconchego da toalha sobre os ombros, o som de uma música familiar, o capítulo final de uma saga que nos acompanhou por anos.
Neste dia que logo chega, ergo também minha toalha — e com ela, a homenagem a todos aqueles que em Patrocínio, e além, mantêm viva essa chama. A cada leitor que vibrou com as aventuras de Frodo, a cada espectador que aplaudiu as façanhas de Luke Skywalker, a cada gamer que passou madrugadas explorando mundos pixelados, a cada fã que aguardou ansioso por um novo episódio de sua série favorita… a vocês, bravos e discretos heróis, dedico estas palavras.
Há algo de profundamente poético nesse cotidiano preenchido por epopeias íntimas e invisíveis. Porque, no fundo, o que move esse universo geek não é apenas a fuga, mas o desejo de compreender o humano sob outras perspectivas. O alienígena, o robô, o viajante do tempo — todos são metáforas de nós mesmos, de nossas perplexidades, de nossos amores, de nossas dúvidas.
E, ao celebrar o Dia da Toalha, celebramos também nossa capacidade de fabular, de criar e de resistir. Porque é disso que se trata: resistir. À monotonia, à desesperança, à resignação. Como disse o décimo Doutor:
“Em 900 anos de tempo e espaço, eu nunca conheci ninguém que não fosse importante.”
Assim somos todos: importantes. Mesmo que ninguém note. Mesmo que nossa toalha seja invisível.
Nestes dias que antecedem a celebração, ao cruzar as ruas de Patrocínio, vejo-os. Estão em toda parte, como peças de um tabuleiro. E sorrio, com cumplicidade. Sei que, assim como eu, eles seguem atentos, preparados para qualquer emergência intergaláctica, prontos para decifrar a próxima aventura, ou, simplesmente, para resistir, com a dignidade de quem sabe: a resposta para tudo é 42.
Se por acaso, algum desavisado perguntar — “Por que essa toalha?” —, responderemos com um olhar enigmático, como quem carrega um segredo imutável: porque sabemos para onde estamos indo, mesmo quando parece que estamos apenas indo trabalhar.
E, como diria Spock, com a serenidade lógica de quem atravessa as galáxias:
“Vida longa e próspera.”
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